sábado, 17 de junho de 2017

A alucinação de Belchior e um chamado à juventude

Descrição para cegos: foto de Belchior tocando violão.

Por Matheus Couto 

Alucinação é o segundo álbum do músico cearense Belchior, lançado em 1976. Tem 10 faixas, algumas das mais famosas de sua carreira e é considerado por muitos a obra-prima de sua carreira, pois diversas dessas faixas foram regravadas por grandes nomes da música brasileira como Elis Regina.  
O disco representou uma geração e atravessou outras, e foi e permanece sendo um chamado ao despertar de uma juventude para uma mudança de pensamento e novas atitudes em meio a monotonia regrada do regime em curso. Em sua capa, inclusive, predominam tons de vermelho e as letras aparentam se desfazer em sangue, em alusão a este mesmo regime de opressão. Foi sucesso de vendas logo após seu lançamento, e grande parte disso se deveu ao temor de que o álbum sofresse censura e saísse de circulação.  
No decorrer da obra, Belchior tece críticas, inclusive, aos ídolos do tropicalismo, muito porque já haviam abandonado o movimento à época que Alucinação foi lançado. Aqui, a poesia cantada de Belchior toca na ferida. Rejeita as teorias e motiva as ações. 
Em Apenas um Rapaz Latino-Americano, as críticas ao regime tem inicio sutil, mescladas com outros elementos do romance poético de Belchior, como no trecho "Mas sei que tudo é proibido aliás, eu queria dizer / Que tudo é permitido até beijar você no escuro do cinema / Quando ninguém nos vê". Entretanto, ao avançar da canção, estas críticas surgem de forma mais clara e incisiva, expressadas na recusa de Belchior em aceitar amarras criativas à sua arte subversiva, citando, inclusive, a censura das quais diversos músicos foram vítimas durante o período do regime que estava em curso à época:  

"Não me peça que lhe faça uma canção como se deve
Correta, branca, suave, muito limpa, muito leve
Sons, palavras, são navalhas e eu não posso cantar como convém
Sem querer ferir ninguém.
[...]
Por favor não saque a arma no "saloon" eu sou apenas um cantor
Mas se depois de cantar você ainda quiser me atirar
Mate-me logo, à tarde, às três, que à noite tenho um compromisso
E não posso faltar por causa de você". 

A maestria de suas críticas combativas permanece surgindo no percorrer narrativo de todo o álbum. Em Como Nossos Pais, canção que voltaria a ganhar grande repercussão posteriormente cantada na voz de Elis Regina, Belchior inicia seu diálogo direto com a juventude que é alicerce do disco, em sinal de alerta: Por isso cuidado meu bem / Há perigo na esquina / Eles venceram e o sinal está / Fechado pra nós, que somos jovens. 
E assim avança até que, em Como o diabo gosta, o ouvinte se depara com uma resposta direta do poeta ao regime militar que estava à frente do país quando o disco foi produzido e lançado. A canção é sua negativa, seu protesto, a expressão do suprassumo de sua subversão e contrariedade às normas que eram impostas: 

"Não quero regra nem nada
Tudo tá como o diabo gosta, tá
Já tenho este peso, que me fere as costas
e não vou, eu mesmo, atar minha mão
[...]
E a única forma que pode ser norma
é nenhuma regra ter
é nunca fazer nada que o mestre mandar
Sempre desobedecer
Nunca reverenciar" 

E, Antes do Fim, um recado ao ouvinte e parceiro corriqueiro nesta conversa alucinante: "Não tome cuidado comigo que eu não sou perigoso / Viver é que é o grande perigo". 
Alucinação é um trabalho que permanece atual e influencia e certamente influenciará diversas outras gerações de jovens pelo seu caráter atemporal. "Quero que esse meu canto torto, feito faca, corte a carne de vocês", canta em Palo Seco. Cortou, Belchior. E há de continuar cortando por muitas eras, pois, como canta ele mesmo em Sujeito de sorte, "Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro".

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