terça-feira, 13 de setembro de 2016

A música inerente à luta

Descrição para cegos: a imagem mostra a capa do LP
Cantata pra Alagamar, que é composta por três fotos de
camponeses reunidos e o nome da obra na parte superior. 

Por Bianca Patrícia

A Cantata pra Alagamar não se trata da utilização de uma luta como mero eixo temático para composições, mas da música como instrumento a serviço do povo para mudar ou resistir a uma realidade imposta. Sua história começa na fazenda Grande Alagamar, que abrigava centenas de pessoas que viviam do cultivo de suas terras. Com a morte do seu dono, Arnaldo Araújo Maroja, em 1975, a propriedade foi vendida, e os seus novos donos tentaram expulsar os agricultores que ali viviam. Observe-se que o país vivia sob a ditadura militar.
Deu-se início ao conflito: de um lado estavam os camponeses com apoio da igreja católica, intelectuais e militantes. Do outro estavam os novos donos das terras junto aos seus jagunços, pistoleiros e a Polícia Militar. A cantata tinha como propósito evidenciar o conflito que estava acontecendo em Itabaiana, indo contra a iniquidade que tentava suprimir o direito dos agricultores de continuar nas terras.
O argentino José Alberto Kaplan - compositor, maestro e professor da UFPB – junto a Waldemar José Solha – escritor, ator e artista plástico – que já eram grandes fomentadores da cultura paraibana, aceitaram uma parceria com o arcebispo da Paraíba, D. José Maria Pires, que foi um dos membros mais importantes para a realização desse movimento em geral. Com grande adesão dos integrantes da Camerata Universitária da UFPB, essa cantata secular começou a ser produzida, tendo como ponto de partida o Hino de Alagamar, composto em forma de cordel pelo camponês Severino Izidro.
As canções, ricas em poesia, foram do cordel ao martelo agalopado, tendo intrínsecas um ritmo intimamente nordestino. Quando as apresentações começaram, havia um perigo muito claro: as composições atacavam não só ao poder econômico dos novos donos da terra como também burlavam normas da censura, por não terem passado pelo crivo da Polícia Federal. Com repressões amenizadas pela presença de autoridades da igreja católica, as manifestações continuavam, tendo como local principalmente igrejas em João Pessoa e Itabaiana.
A Cantata pra Alagamar foi gravada, lançada em disco e vendida pelo Brasil sem nenhuma submissão à censura – novamente uma transgressão, pois, naquela época, qualquer obra artística ou cultural só podia ser levada ao público depois de submetida e autorizada pelo Serviço de Censura e Diversões Públicas do Ministério da Justiça. Sem dúvidas, um feito histórico, à altura do episódio retratado na obra artística, que contribuiu para dar voz e visibilidade à luta camponesa pela terra.


Ouça a cantata completa aqui. 

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