segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Modelo de justiça de transição dificulta reparações

Descrição para cegos: da esquerda para a direita a imagem mostra os professores Rodrigo Freire, Monique Cittadino e Nazaré Zenaide atrás da mesa durante o debate.

Por Marcella Machado

A justiça de transição chegou de forma tardia no Brasil em comparação aos demais países da América Latina. A constatação foi feita pelos membros da Comissão Municipal da Verdade de João Pessoa (CMV). O grupo participou do evento CCHLA Conhecimento em Debate, no último dia 15, na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
No debate, intitulado Ditadura Militar e Violações dos Direitos Humanos: A Justiça de Transição Brasileira e a Experiência da Comissão Municipal da Verdade de João Pessoa, os membros da comissão formada por docentes da UFPB discutiram o modelo de transição adotado pelo Brasil, as dificuldades de acesso a documentos oficiais e o posicionamento de políticos paraibanos durante o regime militar (1964-1985).
A professora do Departamento de Serviço Social, Nazaré Zenaide, ressaltou a importância da construção de uma memória de resistência e apontou os aparatos jurídicos utilizados pelos presos e parentes dos desaparecidos políticos para assistência e proteção de direitos.
Segundo a docente, as primeiras iniciativas surgiram ainda nos anos 70. “Grupos como o Tortura Nunca Mais, como o Clamor dentro da Igreja Católica paulista, os familiares de mortos e desaparecidos da América Latina, todos prestaram assessoria jurídica e política. Depois da Anistia houve uma pressão internacional nesse sentido. Na década de 90 surgiram os comitês e em seguida o apoio do poder público”, destacou Nazaré Zenaide.
Em funcionamento desde abril de 2014, a Comissão Municipal da Verdade de João Pessoa prepara seu relatório final com divulgação prevista para este ano. Para o professor do Departamento de Ciências Sociais, Rodrigo Freire, o acesso à documentação do período do regime repressivo é uma das maiores dificuldades para o trabalho das comissões, principalmente nas instâncias militares.
O professor revelou o cenário de negação e acobertamento que se mantém até hoje. “Nós não avançamos em nada, como na reconciliação, que é outra dimensão da justiça de transição. Pelo contrário, os militares ainda estão atuando contra. A Comissão Nacional da Verdade foi boicotada por eles; isso apesar de vivermos em uma democracia. Em determinado momento, apareceu um decreto do comandante de um exército dizendo que nenhuma unidade militar do país deveria receber nenhuma comissão, contrariando a própria lei”, disse Rodrigo Freire
Na capital, o acervo documental mais bem organizado foi encontrado na Câmara Municipal de Vereadores. Através dos arquivos, os pesquisadores identificaram a forma de atuação dos políticos da época. A subserviência dos gestores aos poderes dos militares do regime e ausência de autonomia foram as marcas dos mandatos desses políticos. “Os vereadores recorriam aos militares, sobretudo ao comando do 15 RI e à Guarnição Federal para investigar ações do Executivo ”, relatou a professora do Departamento de História, Monique Cittadino.
O termo justiça de transição se refere ao conjunto de abordagens, mecanismos e estratégias para enfrentar o legado de violações dos direitos humanos. Entre as suas finalidades estão atribuir responsabilidades, exigir o direito à memória e à verdade, fortalecer as instituições com valores democráticos e garantir a não repetição de crimes como a tortura.

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