quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Wolinski e o homem comum

Descrição para cegos: a imagem mostra um desenho do rosto de Wolinski.

por Carmélio Reynaldo

No início dos anos 70, sob censura, catando nas livrarias e bancas de revista, era possível encontrar algo para ler que proporcionasse satisfação a quem não se conformava com o discurso de exaltação à ditadura. É o caso da revista O Grilo, na qual conheci o trabalho de Wolinski.
De suas histórias, uma me persegue todos esses anos. A morte de Wolinski, ontem, num ataque terrorista à revista Charlie Hebdo, onde trabalhava, terminou a construção dessa sombra que vai me cobrar mais indignação diante da violência como política.
A história a que me refiro contava o sequestro de um cidadão comum por um grupo armado em conflito com um Estado. O grupo, diante da apatia da opinião pública, radicaliza raptando uma pessoa escolhida a esmo, pretendendo, assim, mostrar à sociedade que qualquer um pode ser atingido pelo conflito, pelas questões políticas, mesmo quando tenta se manter à margem, indiferente.


De certa forma, tenho visto concretizar-se aquela história em seguidas ações de grupos armados em atuação no mundo, usando o sequestro e o assassinato de pessoas comuns como instrumento de pressão política. Ao contrário dos personagens de Wolinski, por falta de proximidade, de identificação, de empatia com as vítimas, acompanho essas notícias com certa indiferença.
Ontem, quando ouvi no rádio a notícia do atentado aos profissionais do Charlie Hebdo, minha reação foi mais pelo significado do ataque à imprensa do que pelas pessoas mortas – até então, apenas um número. Depois, quando fiquei sabendo que entre os mortos estava Wolinski, me comovi de verdade: agora uma das vítimas tem traços e histórias que fazem parte da minha vida. Veio-me, então, a percepção de que, ao contrário do que o mestre defendia, a minha reação à violência ainda depende de alguma empatia com a vítima.

Peço perdão ao grande Wolinski por isso. Que descanse em paz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário